Aposta no ensino de qualidade

Correio Braziliense, 14/08/07

Paloma Oliveto

Nova edição da Olimpíada de Matemática terá a participação de 17 milhões de estudantes da escola pública, a maior competição de conhecimento de lógica do mundo. Governo quer premiar talentos

“No dia de seu aniversário em 2006, o avô de Júlia disse a ela: ‘Eu nasci no ano x² e completei x anos em 1980. Quantos anos eu completo hoje?’ A resposta certa é: a)61; b)64; c)67; d)70; e)72”. Desafios como esse vão fazer a cabeça de 17 milhões de estudantes brasileiros, que participam hoje da primeira fase da 3ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Em duas horas e meia, crianças e adolescentes dos ensinos fundamental e médio terão de responder a problemas de cálculo e raciocínio lógico, na edição mais competida do evento, iniciado em 2005. Pelo número de inscritos, é a maior olimpíada de matemática no mundo.

Este ano, 38.453 escolas de 98% dos municípios brasileiros disputam medalhas de ouro, prata, bronze e menção honrosa em três níveis de provas: 5ª e 6ª séries, 7ª e 8ª séries e ensino médio. Na primeira edição, 93,4% dos municípios participaram. A alta adesão é comemorada por Suely Druck, diretora-acadêmica da olimpíada e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática. “Várias escolas fizeram as inscrições por pressão dos próprios alunos. Esse projeto recoloca a questão da qualidade do ensino na agenda das escolas públicas”, aponta.

A Olimpíada de Matemática é promovida pelos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, e da Sociedade Brasileira de Matemática em parceria com o Instituto de Matemática Pura e Aplicada. Para Suely Durk, a competição é uma oportunidade de reconhecer o talento, muitas vezes escondido, dos estudantes que não vêem nos números um bicho-de-sete-cabeças. “As questões são muito instigantes. A matemática é desmistificada, as crianças percebem que, mesmo que seja difícil, a matéria pode ser aprendida”, acredita.

O secretário para inclusão social do MCT, Joe Carlo Viana Valle, destaca que o evento não é importante apenas para os estudantes, mas para o país. “É uma mudança na forma como a matéria é vista. Acreditamos que, por causa da Olimpíada, no futuro teremos nosso Nobel de matemática”, prevê. Hoje, ele vai abrir oficialmente o início das provas, na 606 Norte. No Distrito Federal, há 218 escolas inscritas, sendo que 195.380 estudantes participarão do evento.

No ano passado, Jetulio Hugo Borges Silva, 11 anos, experimentou o gostinho da fama ao levar para casa a medalha de ouro do nível 1. O garoto, que sempre se empolgou com a matéria, saiu no jornal, na televisão e recebeu homenagens na escola, o Centro de Ensino Fundamental 4, na SQS 113. “Os colegas sempre me chamaram de ‘nerd’ e ‘cabeção’. Quando ganhei a Olimpíada, meu professor disse que eu era um ‘ninja’”, conta, orgulhoso.

Euforia

O sucesso de Jetulio inspirou os coleguinhas da escola. Todos os 502 estudantes dos turnos matutino e vespertino foram inscritos este ano. Muitos, porque pediram à diretora, Carmen Lúcia Silva Ribas. “Os alunos participaram da euforia da vitória, ficaram muito motivados”, conta. “Tem um monte de gente falando: ‘Este ano eu também vou ganhar’”, confirma Jetulio.

Além da medalha de ouro, o menino saiu vitorioso em um curso de matemática, oferecido por uma escola preparatória, e, neste sábado, começará outro, voltado aos campeões. Agora, Jetulio é bolsista júnior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que premia os ganhadores com uma bolsa mensal de R$ 100.

Jetulio está confiante em seu desempenho e no dos colegas. “Tenho certeza que vamos trazer mais medalhas nesta edição”, diz, confiante. O menino dá a dica àqueles que acham muito difícil lidar com números e equações: “Quando estou diante de um problema de matemática, é como se estivesse num jogo. Me sinto desafiado”.

Para estimular mais os estudantes, o número de medalhas e bolsas aumentou neste ano. Serão distribuídas 300 medalhas de ouro, 600 de prata e 2.100 de bronze. Todos os premiados receberão as bolsas de iniciação científica do CNPq. Os prêmios também serão distribuídos aos mestres: os professores dos 100 melhores alunos farão estágio de 15 dias no Instituto de Matemática Pura e Aplicada. As escolas recebem certificados e computadores.

A propósito, o avô de Júlia vai completar 70 anos. Para chegar a essa resposta é preciso fazer a equação x=1980-x². A questão foi solucionada pelos estudantes do ensino médio, que participaram da Olimpíada de Matemática no ano passado.

R$ 600 milhões para financiar ônibus escolar

O governo federal lança hoje mais uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o programa Caminhos da Escola, de transporte escolar. Serão investidos R$ 600 milhões em linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para que prefeituras, estados e também microempresários possam comprar ônibus, vans e embarcações para serem usadas exclusivamente no transporte escolar.

Os veículos terão uma padronização, tanto em normas de segurança, pedidas pelo governo ao Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), quanto na aparência. Pintados de amarelo e preto, com a palavra “Escolar” escrita dos lados, os ônibus lembram os tradicionais veículos escolares dos Estados Unidos, mas no formato de ônibus modernos normais.

A padronização na aparência foi um pedido do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que disse ao ministro da Educação, Fernando Haddad, que gostaria de ver o Brasil com um sistema semelhante para atender às crianças. Lula visita hoje um dos ônibus já padronizados.

Os recursos reservados a municípios e estados são exclusivamente para a compra de veículos para transporte de alunos da zona rural, cerca de 8,4 milhões de estudantes. O dinheiro virá do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. O MEC fará um pregão eletrônico nacional para a compra, calculada em 300 mil veículos novos.

Com a medida, prefeituras e governos estaduais já terão o preço previsto para o veículo e receberão o financiamento no valor estimado. Com a isenção de impostos prevista no programa — do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) — e a compra em larga escala, a previsão é de preços muito mais baixos do que os de mercado. Além disso, a possibilidade de desvios e superfaturamento das compras será menor.

A outra parte do financiamento do BNDES será direcionado a pessoas ou empresas que trabalham atualmente com transporte escolar, mesmo que não seja para escolas públicas. Os ônibus terão a mesma padronização dos comprados pelo setor público. A intenção do MEC é que todos os veículos de transporte escolar do país tenham o mesmo padrão, incluindo a pintura.

Modelos de sucesso

A Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados vai elaborar um plano de prioridades no Legislativo na área de educação. A proposta foi feita pelo presidente Arlindo Chinaglia (PT-SP), na abertura do seminário internacional “Educação no século 21: modelos de sucesso”, que discute, até outubro, soluções encontradas em vários países para a reforma educativa. O presidente da comissão, deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), disse que, embora o Ministério da Educação tenha uma boa proposta para a área, é importante os deputados apresentarem projetos, principalmente em relação às primeiras séries de ensino. “Não existe um projeto de lei que regulamente a educação infantil”, lembrou.

O ministro da Educação, Fernando Haddad, ressaltou a relevância de se discutir a qualidade do ensino. Ele reconheceu os problemas da educação brasileira, principalmente no ensino médio, mas disse que as melhorias virão. “Podemos resgatar essa dívida histórica que temos com o povo brasileiro”, garantiu.

Um dos debatedores, Stephen Heyneman, da Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, lembrou, porém, que a reforma educativa não significa apenas melhorar a qualidade da educação. “Uma reforma requer mudanças estruturais, filosóficas e de governança”, disse. Para ele, o Brasil poderá evoluir bastante na área, pois o governo federal tem um grande poder sobre os recursos da educação.

Heyneman mostrou aos parlamentares exemplos das reformas educacionais na Finlândia, no Chile, na Nova Zelândia e na Coréia do Sul. E lembrou que, graças à revolução no ensino, a Coréia do Sul tem, hoje, o melhor índice no ranking de educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já o Brasil está incluído na lista de países com os piores desempenhos.

A receita do sucesso da reforma na Coréia do Sul foi passada por Chong Jae Lee, presidente do Instituto de Desenvolvimento da Educação Coreana e professor da Universidade Nacional de Seul. Segundo Lee, o incremento de recursos para infra-estrutura das escolas, o aumento dos salários dos professores, a autonomia dos colégios, a revisão curricular e a decisão governamental de dar prioridade à educação foram fundamentais para o país obter os resultados positivos.

No Senado, a Comissão de Educação realiza hoje a oitava audiência pública para debater idéias e propostas para a educação brasileira e o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que ficou conhecido como ‘PAC da Educação’, numa referência ao Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal. A audiência faz parte de um ciclo com 12 debates que terá como desfecho a apresentação de um documento com as conclusões dos encontros, a ser entregue aos ministros da Educação, da Fazenda e da Casa Civil.

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