Falha na alfabetização científica prejudica interesse pelo assunto

O Estado de São Paulo, 11/06/07

Resistência de adultos ao tema começa na infância, em grande parte devido ao fraco ensino da disciplina na escola

Giovana Girardi

Levantamento divulgado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia mostrou que cerca de 41% dos brasileiros têm muito interesse por ciência. O número foi recebido com entusiasmo por especialistas – uma vez que estava quase em pé de igualdade com o do interesse por esporte e era superior ao de política -, mas não deixou de refletir um problema intrínseco do ensino.

Entre os 59% que disseram ter pouco ou nenhum interesse na área, a maioria justificou que simplesmente não entende o assunto. Os organizadores da pesquisa apontaram vários fatores como explicação, entre eles a existência de poucos museus de ciência no País, mas alertam que o cerne da questão é a deficiência no ensino de ciências. “Quando a ciência é colocada de maneira clara e interessante, ela fascina. Mas a educação nessa área ainda precisa melhorar muito. Um ensino livresco, sem desafio nem experimentação como ocorre hoje não tem como ter resultados. Melhorar é crucial”, afirma o pesquisador Ildeu de Castro Moreira, responsável do MCT pelo estudo.

“Temos problema no ensino de ciências assim como temos com a educação em geral”, lembra o físico e educador da USP Luis Carlos Menezes. “Mas o agravante é que os professores de português ou matemática sabem ler, escrever, fazer conta. Podem ter problemas pedagógicos, mas sabem o conteúdo. Ocorre que vemos professores de ciências que realmente não entendem o assunto que estão falando.”

Uma revisão de estudos psicológicos divulgada no mês passado na revista Science aponta que a resistência dos adultos à ciência tem origem na infância, em parte por causa do que as crianças sabem ‘naturalmente’ e em parte pelo que elas aprendem (ou deixam de aprender), escrevem Paul Bloom e Deena Skolnick Weisberg, da Universidade Yale.

Os pesquisadores alegam que essa desconfiança ocorre porque alguns tópicos científicos são contra-intuitivos, como o fato de a Terra ser esférica. Para os pequenos, dizem, é difícil entender que vivendo em uma esfera as pessoas não acabariam despencando. Por isso um ensino adequado é imperativo desde cedo. “A primeira barreira a ser derrubada é a idéia de que ciência é algo difícil. A alfabetização científica tem de ser pensada como uma linguagem para ser falada e discutida por todos, não só pelo cientista”, diz Menezes.

“O País tem uma péssima tradição em só começar a tratar de ciência nos últimos anos do ensino fundamental. Mas é já com os pequenos que esses preconceitos têm de ser trabalhados”, complementa Jorge Werthein, ex-representante da Unesco no Brasil.

A bióloga Andréa Ribeiro dos Santos, ligada à Fiocruz, percebeu isso na prática ao realizar trabalho sobre metamorfose com alunos de 4ª a 8ª séries de escola pública em Nilópolis (RJ). “Muitos têm aversão a alguns insetos porque não os conhecem”, conta. “A maioria disse ter mais medo de abelha do que do mosquito da dengue, uma vez que eles não associavam que este inseto é transmissor de doenças. Os menores entendiam que o foco da dengue estava em vasilha com água, mas não associavam a larva ao adulto.”

Investigar é chave para aprender

Professores com bom material conseguem instigar mais os alunos a descobrir como a ciência é feita

Na hora de buscar responsáveis pelas deficiências no ensino de ciências do País, a culpa sempre recai nos professores. Mas especialistas alertam que a solução vai além de somente melhorar a formação dos docentes. É preciso dar instrumentos para eles conseguirem inovar em sala de aula.

“Hoje vemos ações de formação de professores e outras para melhorar o livro didático, mas não existe conexão entre elas. A formação pode até aprimorar o discurso, mas o livro engessa”, comenta Ana Rosa Abreu, diretora educacional do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Sangari do Brasil, instituto que desenvolve modelos de ensino de ciência.

“Nas poucas escolas que têm laboratório, a imagem que os estudantes fazem é de um local antisséptico, para poucos. Para entrar ali tem todo um ritual. A ciência deixa de fazer parte do cotidiano”, complementa a educadora, que defende uma metodologia investigativa de ensino para que o aprendizado se torne natural.

É nisso que se baseia o Ciência e Tecnologia em Criatividade, um programa educativo desenvolvido pelo instituto para ser usado no ensino fundamental. “Por anos ouvimos professores dizendo que gostariam de fazer diferente, mas não tinham coragem de ousar nem sabiam como. Criamos um instrumento para isso”, diz. “O Ministério da Educação tem de entender que o modelo do livro didático é muito restrito. É preciso colocar materiais na mão dessas crianças para elas descobrirem os conceitos por conta própria.”

Jim Heinhold, de 9 anos, é um exemplo de que isso funciona. Aluno do Colégio Via Sapiens, em Cotia, que usa o sistema da Sangari, observa intrigado um pó branco em uma colher colocada sobre uma chama de fogo. O material não gruda, não derrete, nada acontece. Mas o garoto não desanima. “Já sei. É talco”, fala com ar sabichão para a professora Ana Cristina de Lima, que vêm instigando a turma da 4ª série a descobrir o que são quatro “substâncias misteriosas”. Jim diz que a matéria é sua favorita. E gosta tanto que já sabe o que quer ser quando crescer: cientista.

Na rede municipal de São Paulo algumas escolas têm adotado um esquema mais modesto, mas que também busca promover a construção do conhecimento pelo aluno. É o projeto apelidado de “Mãos na Massa”, desenvolvido pela Estação Ciência.

“Na escola pública, ciência não é muito priorizada diante da necessidade de ensinar a ler e a escrever. Aqui nós não temos muitos materiais, mas buscamos trabalhar com temas que tenha significado para os alunos”, conta a professora Janete Santos de Brito, que dá aulas para uma turma do 3º ano em escola de Santo Amaro. “Fazendo experiências, os alunos conseguem estabelecer relações. Eles guardam o novo conhecimento não por mera memorização, mas porque passa a fazer sentido para eles”, diz.

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