Guinada no serviço público

O Globo, 13/07/07

Evandro Éboli e Luiza Damé

Governo quer contratar novos servidores pela CLT, em nove áreas, para tornar Estado mais eficiente

BRASÍLIA Ogoverno deu ontem o primeiro passo para alterar o modelo de gestão do setor público e tornar o Estado mais eficiente. Para isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Congresso Nacional projeto de lei complementar que cria a figura jurídica da fundação estatal de direito privado, órgão que dará poderes de empresa privada a alguns setores estatais. Os novos servidores seriam contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), podendo ser demitidos em caso de ineficiência.

Mesmo dependendo ainda de aprovação pelo Congresso, a proposta já provocou reações divergentes.

Enquanto especialistas em gestão pública a consideram um marco na modernização do Estado, entidades sindicais ligadas a servidores acusam o governo de ameaçar a estabilidade do funcionário público e já planejam ir à Justiça.

O projeto, previsto desde a reforma administrativa aprovada no governo Fernando Henrique — e ao qual o PT se opôs fortemente, recorrendo até à Justiça —, estava adormecido e foi retomado por intermédio do ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Ele quer fazer as primeiras mudanças, se aprovada a lei, nos hospitais públicos federais. Mas, pela proposta enviada ao Congresso, a mudança poderá ser aplicada em nove áreas do serviço público.

Essas áreas poderão adotar em seus órgãos o modelo de fundação estatal de direito privado e, assim, aplicar aos servidores públicos as regras da CLT, pela qual o funcionário ineficiente pode ser demitido.

Objetivo é mais eficiência e rapidez Ao anunciar ontem o envio do projeto de lei ao Congresso, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, afirmou que o objetivo do governo é dar mais agilidade, eficiência e rapidez no atendimento à população.

Ele reconheceu que é preciso melhorar e aperfeiçoar os serviços prestados pelo Estado. Reportagem publicada pelo GLOBO domingo passado mostrou problemas sérios de gestão em órgãos públicos federais, que provocam ineficiência e submetem o cidadão a sofrimento e a longas filas.

— Não estou dizendo que o projeto é um elixir para resolver todos os nossos problemas, mas é um grande passo em direção à melhoria da gestão. Queremos ampliar a capacidade do Estado de prestar melhores serviços à população — disse o ministro Paulo Bernardo.

O ministro da Saúde, maior entusiasta da proposta, participou do anúncio do projeto. Ele elaborou a proposta em conjunto com Paulo Bernardo. Temporão critica a estabilidade funcional dos médicos do Sistema Único de Saúde (SUS) e acredita que o novo modelo de gestão vai ajudar a melhorar o serviço dos hospitais públicos federais.

— O projeto introduz uma inovação na administração pública e tem como objetivo final a melhoria na eficiência da atenção à população — disse Temporão.

Cada ministério tem de ter uma proposta Se aprovado o projeto, cada ministério terá que enviar ao Congresso sua proposta específica de regulamentação, também em formato de projeto de lei. Os ministérios terão que detalhar como funcionarão suas fundações, se elas serão de direito público ou privado, assim como o alcance de sua autonomia administrativa, gerencial e financeira.

No caso do Ministério da Saúde, por exemplo, os gestores dos hospitais públicos terão que cumprir número determinado de internações, exames, cirurgias e atendimentos aos doentes que recorrem ao SUS. O repasse dos recursos será condicionado à qualidade do atendimento.

Além do setor da saúde, as outras áreas beneficiadas com essa autonomia são: assistência social, cultura, esporte, ciência e tecnologia, meio ambiente, previdência complementar do servidor público, comunicação social e turismo. A educação também deverá ser incluída, mas ainda depende da votação de outro projeto de lei. O novo modelo, porém, já irá abranger também os hospitais universitários, vinculados ao Ministério da Educação.

As chamadas carreiras típicas de Estado — aquelas que não existem na iniciativa privada — ficam fora do projeto. Por exemplo, diplomacia, polícia, fiscalização e demais carreiras com poder de polícia. Embora as fundações tenham mais flexibilidade para contratar pessoal e fazer compras, elas serão obrigadas a realizar concurso público e licitação, independentemente de serem de direito público ou privado.

Temporão tem o apoio do Conselho Nacional de Secretários da Saúde dos Estados (Conass). O presidente da entidade, Osmar Terra — secretário estadual de Saúde do Rio Grande do Sul —, disse que a fundação estatal é um instrumento moderno de gestão e vai melhorar o atendimento ao público.

— Os hospitais públicos são caros e produzem pouco. São eficientes, mas, se for levar em conta o custobenefício, o resultado é inadequado.

São muito caros. No meu estado uma internação no hospital público custa, em média, R$ 8 mil. Num hospital privado, esse preço cai para R$ 5 mil.

Não tem lógica — disse Terra.

O Conass já aprovou, em assembléia, o apoio ao projeto do governo.

O presidente do conselho afirmou que o novo modelo vai permitir reduzir a burocracia.

— Hoje as compras são centralizadas e demoram uma eternidade.

Mesmo em contratação emergencial de pessoal, tem que fazer concurso público. Aí vem a Justiça e embarga tudo. É preciso mais eficiência — afirmou Osmar Terra.

Se tem o apoio dos secretários estaduais, o governo não conta com a aprovação do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que anunciou a decisão de recorrer à Justiça.

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