Brasil entra no grupo dos países com mais alto IDH

Folha de São Paulo, 28/11/07

Antônio Gois

Documento anual das Nações Unidas afirma que brasileiros vivem em elevado grau de desenvolvimento humano

Relatório coloca país em 70º lugar no ranking mundial; Brasil já figurou na elite, em 1998, mas foi retirado dela após revisão nos critérios

Impulsionado principalmente por uma revisão nas estatísticas de expectativa de vida, o Brasil ingressou no grupo dos países considerados de alto desenvolvimento humano pelas Nações Unidas. O dado aparece no Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008, divulgado ontem pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

Para fazer parte desse grupo, é preciso ter IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) superior a 0,800 -numa escala que vai de zero a um. Foi justamente a este patamar de 0,800 que chegou o Brasil -o último dos 70 países que estão no topo do ranking no Relatório 2007/ 2008. Foram comparados 177.

Não foi a primeira vez que o país apareceu em um relatório da ONU com este patamar de alto desenvolvimento humano. No relatório de 1998, com dados de 1995, o país já havia ultrapassado a marca de 0,800.

No entanto, como o Pnud mudou a forma de cálculo do PIB per capita no relatório de 1999, vários países tiveram, como o Brasil, queda significativa no indicador. Considerando a série atual, com dados de anos anteriores revisados pelo Pnud, é a primeira vez que o Brasil atinge o patamar de alto desenvolvimento humano.

O IDH é calculado a partir de indicadores de expectativa de vida, proporção de adultos alfabetizados, taxa de matrícula nos ensinos fundamental, médio e superior e PIB per capita. Os dados divulgados são, em sua maioria, referentes a 2005.

Apesar de 2005 ter marcado a mudança de patamar do Brasil, foi no qüinqüênio que se encerrou naquele ano que foi verificada a menor variação do IDH brasileiro desde 1975. De 2000 a 2005, o IDH cresceu 1,4%. Antes, de 1995 a 2000, a variação havia sido de 4,8%. O maior aumento foi registrado de 1975 a 1980 -5,5%.

No relatório deste ano, o Brasil caiu de 69º para 70º lugar. Em 2006, no entanto, apenas 63 países tinham IDH superior a 0,800. Neste ano, são 70.

O Pnud alerta, entretanto, que as comparações de um ano para outro são imprecisas porque os dados estão sujeitos a revisões, que fazem com que a posição se altere artificialmente num curto período. Foi o que aconteceu com o Brasil. No relatório de 2006, o país aparecia com esperança de vida de 70,8 anos. Agora, subiu para 71,7.

Esse aumento de quase um ano na expectativa de 2004 para 2005 (o relatório traz dados de ao menos dois anos antes) foi fruto da revisão em 62 países onde as estimativas de incidência, transmissão e sobrevida dos infectados com HIV/ Aids estavam desatualizadas.
Ao rever o dado de 2005, o Pnud refez o cálculo de 2004. Em vez dos 70,8 anos divulgados no relatório do ano passado, o Brasil já estaria com esperança ao nascer de 71,5 anos.

PIB per capita

O mesmo foi feito com os dados de PIB per capita, calculado em dólares, mas levando em conta o poder de compra da moeda de cada país. Foram revisados dados de 159 países. No Brasil, o PIB per capita chegou a 8.402 dólares PPC (Poder de Paridade de Compra).
Em relação ao dado do relatório do ano passado (8.195 dólares PPC), a variação teria sido de 2,5%. No entanto, com a revisão, o valor de 2004 foi corrigido para 8.325, o que significou uma variação real de 0,9%.

De 2004 para 2005, a ONU registrou pouca alteração nos dados da educação para o Brasil. Nesse caso, Flávio Comin, assessor especial do Pnud, alerta que os dados de 2005 não foram atualizados a tempo de entrar no relatório deste ano, o que explica essa estagnação.

Numa comparação mais abrangente, considerando só os 141 países com dados comparáveis de 2000 a 2005, o Brasil perdeu seis posições (da 51ª para a 57ª). Já na comparação de dez anos (1995 a 2005) com 144 países, o país teria caído apenas uma posição (da 57ª para a 58ª).

IDH alto esconde desigualdade, dizem especialistas

Dados indicam evolução gradativa, mas desempenho é visto como oportunidade para acelerar melhorias dos indicadores sociais

Para especialistas consultados pela Folha, a linha que separa países de alto desenvolvimento humano (IDH igual ou superior 0,800) é uma marca arbitrária que oculta, no caso brasileiro, a desigualdade.

O feito, no entanto, é uma oportunidade para acelerar a melhoria dos indicadores sociais caso o Brasil se compare apenas com os países que pertencem ao grupo do qual agora fazemos parte, com índices muito melhores que os nossos.

Para o ex-presidente do IBGE no governo FHC Simon Schwartzman, os dados indicam um processo de melhoria gradativa e de longo prazo.

´Vão dizer que ´nunca antes na história deste país´ o IDH esteve tão alto e que, finalmente, entramos para os países de ´alto desenvolvimento´, como se fosse mais um trunfo do governo Lula. Na verdade, a linha divisória entre o alto e o médio desenvolvimento é arbitrária e o Brasil, último da lista, tem à frente vários países latino-americanos. É um resultado medíocre, mas que será comemorado com grande fanfarra.´

Kevin Watkins, diretor de desenvolvimento do Pnud, diz que a tendência de melhoria do Brasil é contínua ao longo do tempo, mas lembra que há países com PIB per capita menor que o brasileiro e que possuem resultados melhores em educação e saúde.

Como exemplo, ele cita o Vietnã, país cujo PIB per capita é bem menor do que o brasileiro (3.071 dólares, ante 8.402). O país asiático, no entanto, tem expectativa de vida de 73,7 anos (a do Brasil é de 71,7) e 90,3% de sua população adulta está alfabetizada (enquanto no Brasil, são 88,6%).

Flávio Comin, assessor do Pnud, lembra também que o IDH permite a comparação de rankings de desenvolvimento humano e do PIB per capita. No caso brasileiro, o país está três posições abaixo do que seu PIB permitiria, relação inversa a de outros países latino-americanos, como Cuba (43 posições acima), Uruguai (16 lugares), Chile (15), Argentina (nove) e México (sete).

´São países que deram mais prioridade à dimensão social. O Brasil já está fazendo o mesmo, mas é preciso acelerar´, diz o assessor do Pnud.

Comin identificou no relatório cinco áreas em que o Brasil está muito defasado em relação aos demais países de alto desenvolvimento e que, por isso, podem apressar, no futuro, a melhoria do IDH: saneamento básico, pobreza, mortalidade infantil, mortalidade materna e desigualdade.

Ele cita como exemplo o fato de, entre os 20% mais pobres, a mortalidade na infância ser de, até cinco anos, 83 mortes por 1.000 nascidos vivos. Entre os 20% mais ricos, a relação é de 29 a cada 1.000.

´A mortalidade entre os mais pobres ainda segue um padrão africano. Nesse e em outros indicadores, ainda estamos muito distantes dos países de maior desenvolvimento humano, mas o fato de estarmos agora simbolicamente nesse grupo faz com que tenhamos obrigação de acelerar nosso progresso social´, diz ele.

Na avaliação de Wanda Engel, ex-chefe da divisão de Desenvolvimento Social do Banco Interamericano de Desenvolvimento e ex-secretária de Assistência Social do governo FHC, é preciso continuar investindo em políticas destinadas prioritariamente aos municípios com menor IDH e à população mais pobre.

Concentração de renda ainda é muito grande

O Brasil permanece como um dos países mais desiguais do mundo, mas a queda de 2000 a 2005 no índice de Gini -que mede a concentração de renda- faz com que, aos poucos, o Brasil vá se afastando dos países que lideram esse ranking negativo.

Há cinco anos, quando o Pnud divulgou seu Relatório de Desenvolvimento Humano de 2002 -com dados até o ano de 2000-, o Brasil tinha um indicador de desigualdade de renda inferior apenas ao de cinco países africanos.

O índice de Gini em 2000 estava em 0,607. Cinco anos depois, caiu para 0,570 -quanto mais próximo de 1, mais desigual. Foi uma redução tímida, mas suficiente para o país perder cinco posições no ranking. Hoje, países como Namíbia, África do Sul, Bolívia e Haiti apresentam padrão de concentração de renda pior do que o brasileiro.

Mas, se forem comparados apenas as nações de alto desenvolvimento humano, o país apresenta a maior desigualdade medida pelo índice de Gini. O país menos desigual é o Japão (índice 0,249).

Na avaliação de Kevin Watkins, diretor do escritório do Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud, a tendência de queda da desigualdade brasileira é robusta e isso tem tido impacto também na redução da pobreza.

´O país está se movendo na direção certa, mas ainda há um longo caminho a percorrer´, diz Watkins.

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