Educação Infantil: Na formação das crianças, desafios de gente grande

Folha Dirigida, 24/08/2007

Frequentemente, a alfabetização é vista como a primeira etapa da vida educacional. Afinal, ler e escrever são atividades essenciais para que qualquer criança continue a aprender ao longo da vida. Até por isso, não são poucos os casos em que, na Educação Infantil, as atividades têm como foco a linguagem verbal. Porém, a base necessária para um bom nível de aprendizado nas séries seguintes não depende só da leitura. Habilidades como raciocínio lógico, criatividade, expressividade, também decisivas para uma vida escolar sem sobressaltos, estão ligadas ao desenvolvimento cognitivo que se dá em outras frentes, que vão além da comunicação oral.

Aos poucos, o início do processo educacional se veste de formas cada vez mais diversificadas de ensinar. Atividades que preparam a criança para a leitura continuam com lugar cativo nas turmas de Educação Infantil. Porém, segundo especialistas, as escolas já começam a perceber que vale a pena apostar em novos paradigmas educacionais para explorar e desenvolver o potencial criativo das crianças.

‘A escola de hoje ainda prioriza muito a linguagem verbal, mas as crianças se expressam de muitas outras maneiras. Por isso, é importante abrir espaço na Educação Infantil para outras formas de expressão que envolvam música, arte, desenho, o próprio corpo, entre outras’, avalia a professora Denise Pozas, mestra em Psicologia e Especialista em Educação Infantil pelo Centro de Tecnologia em Gestão da Educação do Senac-Rio.

A utilização de múltiplas linguagens pelo professor foi abordada em um seminário internacional de Educação Infantil, promovido pelo Senac nos dias 18 e 19 deste mês, no Rio, onde temas como Arte e Estética na formação do educador, as Crianças e a Natureza, Infância e Mídia, entre outros, foram debatidos por especialistas. Segundo Denise Pozas, o próximo passo é a criação de um portal em que os participantes poderão voltar às discussões do evento, com especialistas. ‘Será um espaço de qualificação permanente dos educadores’, salientou.

Um segmento ainda marcado por vários desafios

Se, no campo científico, a consciência da contribuição trazida pela Educação Infantil já é uma realidade, no das políticas educacionais a ampliação do acesso à creche e à pré-escola ainda está longe de figurar entre as prioridades do poder público. Segundo dados do Censo Educacional de 2006 e do Censo Populacional de 2000, cerca de 7 milhões de crianças entre 0 e 5 anos estavam matriculadas em creches ou pré-escolas no país, o que representa cerca de 12% de nossos estudantes e 35% das crianças nesta faixa etária. A situação é mais complicada no segmento de 0 a 3 anos, onde, dos 13 milhões de brasileiros com esta idade, apenas 1,43 milhão (o equivalente a 11%) freqüentam a escola.

Se, de acordo com a legislação, o segmento ainda não possui status de obrigatória, no meio educacional cresce a compreensão de que a Educação Infantil, na prática, antes de um processo separado, é a primeira etapa da Educação Básica. Por isso, mesmo diante de um acesso tão restrito à creche e à pré-escola, as perspectivas são animadoras, segundo a professora da PUC-Rio e da UniRio e especialista em Educação Infantil, Maria Fernanda Nunes.

‘Uma conquista que a Educação Infantil alcançou no país foi sua inclusão no Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica). Precisamos ver como se dará este financiamento e que fatia do fundo corresponderá às creches e pré-escolas. Mas, de qualquer forma, uma fonte de recursos para a Educação Infantil é algo significativo’, avalia a professora Maria Fernanda Nunes, também doutora em Educação pela UFRJ.

É preciso avançar na formação dos professores

Superada a batalha da fonte de recursos, as atenções se voltam para a qualificação dos educadores. Para Maria Fernanda Nunes, como o professor da Educação Infantil lida com uma atividade em que precisa entender questões como o papel das várias linguagens no desenvolvimento cognitivo, a interação entre crianças e adultos na construção do conhecimento, entre outras, o ideal seria que todos tivessem ensino superior. Porém, ela acredita que já representaria um avanço investir na capacitação e atualização dos profissionais. ‘É preciso que as Secretarias Municipais de Educação possibilitem a seus professores a oportunidade de fazer este aperfeiçoamento’, destacou Maria Fernanda.

A maior presença das múltiplas formas de aprendizado e desenvolvimento de habilidades na Educação Infantil também exige uma nova análise da formação dos profissionais. É cada vez mais necessário que, nos cursos universitários, os professores também aprendam a lidar com metodologias e práticas que contemplem o trabalho pedagógico com a música, a comunicação gestual e verbal e o uso de ilustrações com as crianças. ‘O educador tem de ser formado também em sua sensibilidade, em sua emoção. E, para isso, além de trabalhar várias formas de expressão com as crianças, este mesmo profissional precisar ter acesso a elas. Por isso, é também necessária uma política de apoio cultural a estes professores’, comentou a professora Denise Pozas.

Mídia e Educação como tema de debate na escola

Das várias formas de linguagem e de expressão que existem, a mídia talvez seja aquela à qual as crianças tenham acesso mais fácil e que, até por isso, não poderia ficar fora do cotidiano escolar, segundo especialistas. Mas, como tirar proveito pedagógico da influência dos programas, principalmente de televisão, tema que ainda divide opiniões? Para a professora da Uerj e doutora em Educação pela PUC-Rio, Rita Ribes, a melhor estratégia é discutir o assunto na escola.

‘A inserção da mídia na proposta pedagógica precisa ser assunto das reuniões de professores e pais. Esta é uma discussão essencial. Não se trata de a escola definir o que é certo ou errado, e sim colocar em discussão para, com isto, também evoluir’, frisou.

Para a educadora, estimular este debate permite escapar de certas idéias que já se tornaram uma espécie de lugar-comum, como a de que a mídia não contribui de forma alguma para a educação e a formação das crianças. ‘Quando se fala em influência da mídia, nunca se diz que, por exemplo, ela permite o acesso a um vocabulário mais rico na infância. A mídia influencia tanto quanto as ações dos adultos’, defendeu a educadora.

Cada vez mais presentes no dia-a-dia das crianças, embora em escala bem menor que a televisão, a tecnologia também tem sido incorporada ao cotidiano educacional. É cada vez mais comum ver anúncios de escolas que utilizam laboratórios de Informática e recursos multimídia com alunos de até cinco anos. Para a professora da Uerj, a prática é válida, desde que faça parte de um planejamento pedagógico.

‘Em muitos casos, o uso da tecnologia tem um caráter apenas mercadológico, ou seja, serve apenas como instrumento de marketing para as escolas vencerem a concorrência que existe no mercado. Virou corriqueiro criar salas de computadores para as crianças, como se isto fosse sinônimo de qualidade. Mas, antes de tudo, é preciso ouvir as próprias crianças para saber se gostam da forma como as máquinas são usadas com elas’, salientou Rita Ribes, lembrando que o mesmo vale para outros recursos multimídia.

‘A TV é usada, em muitos casos, para distrair a criança. As escolas precisam repensar o uso que fazem das mídias. Certamente não há um único modo de fazer isto, assim como não existe uma só realidade. Ou seja, é importante estimular este debate dentro da escola, pois os recursos tecnológicos, se utilizados de acordo com a proposta pedagógica, são, sem dúvida, muito úteis ao aprendizado’, completou Rita Ribes.

Qual o principal desafio da Educação Infantil?

‘Acho que é preciso fazer com que a sociedade reconheça a importância da Educação Infantil para o desenvolvimento cognitivo das crianças. Não são só brincadeiras. Além disso, os profissionais também necessitam conhecer bem as características da faixa etária dos alunos deste segmento para impor menos e respeitar e aprender mais. Para isto, os cursos de formação continuada têm papel decisivo.’

Rosania Martins Gomes, Professora de Educação Infantil

‘Um desafio nesta área seria ampliar a produção de conhecimento sobre Educação Infantil, para conscientizar as pessoas de que a creche e a pré-escola não são ambientes onde as crianças só brincam ou recebem cuidados ao longo do dia, enquanto os pais trabalham. As brincadeiras têm sua lógica. Elas não são preparadas de forma isolada. São propostas para levar à construção do conhecimento. Mas muitos não sabem disto.’

Claudia Maria Soares, Professora de Educação Infantil

‘Acho que é fundamental investir mais na formação continuada dos profissionais que atuam na Educação Infantil. E esta formação deve estar focada no desenvolvimento da criança, na sua interação com a natureza e com a realidade, na forma como ela vê o mundo em que vive. Também seria importante para o professor trabalhar mais com as múltiplas linguagens em sala, principalmente com o uso da mídia no processo de ensino.’

Maria Cristina de Aragão, Professora de Educação Infantil

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