Brasil se prepara para reforma ortográfica

Folha de São Paulo, 20/08/07

Daniela Tófoli

Novas regras da língua portuguesa devem começar a ser implementadas em 2008; mudanças incluem fim do trema

Ministério da Educação já prepara a próxima licitação dos livros didáticos, que deve ocorrer em dezembro, pedindo a nova ortografia

O fim do trema está decretado desde dezembro do ano passado. Os dois pontos que ficam em cima da letra u sobrevivem no corredor da morte à espera de seus algozes. Enquanto isso, continuam fazendo dos desatentos suas vítimas, que se esquecem de colocá-los em palavras como freqüente e lingüiça e, assim, perdem pontos em provas e concursos.

O Brasil começa a se preparar para a mudança ortográfica que, além do trema, acaba com os acentos de vôo, lêem, heróico e muitos outros. A nova ortografia também altera as regras do hífen e incorpora ao alfabeto as letras k, w e y (veja quadro). As alterações foram discutidas entre os oito países que usam a língua portuguesa -uma população estimada hoje em 230 milhões- e têm como objetivo aproximar essas culturas.

Não há um dia marcado para que as mudanças ocorram -especialistas estimam que seja necessário um período de dois anos para a sociedade se acostumar. Mas a previsão é que a modificação comece em 2008.

O Ministério da Educação prepara a próxima licitação dos livros didáticos, que deve ocorrer em dezembro, pedindo a nova ortografia. ‘Esse edital, para os livros que serão usados em 2009, deve ser fechado com as novas regras’, afirma o assessor especial do MEC, Carlos Alberto Xavier.

É pela sala de aula que a mudança deve mesmo começar, afirma o embaixador Lauro Moreira, representante brasileiro na CPLP (Comissão de Países de Língua Portuguesa). ‘Não tenho dúvida de que, quando a nova ortografia chegar às escolas, toda a sociedade se adequará. Levará um tempo para que as pessoas se acostumem com a nova grafia, como ocorreu com a reforma ortográfica de 1971, mas ela entrará em vigor aos poucos.’

Tecnicamente, diz Moreira, a nova ortografia já poderia estar em vigor desde o início do ano. Isso porque a CPLP definiu que, quando três países ratificassem o acordo, ele já poderia ser vigorar. O Brasil ratificou em 2004. Cabo Verde, em fevereiro de 2006, e São Tomé e Príncipe, em dezembro.

António Ilharco, assessor da CPLP, lembra que é preciso um processo de convergência para que a grafia atual se unifique com a nova. ‘Não se pode esperar resultados imediatos.’
A nova ortografia deveria começar, também, nos outros cinco países que falam português (Portugal, Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor Leste). Mas eles ainda não ratificaram o acordo.

‘O problema é Portugal, que está hesitante. Do jeito que está, o Brasil fica um pouco sozinho nessa história. A ortografia se torna mais simples, mas não cumpre o objetivo inicial de padronizar a língua’, diz Moreira.

‘Hoje, é preciso redigir dois documentos nas entidades internacionais: com a grafia de Portugal e do Brasil. Não faz sentido’, afirma o presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vilaça.

Para ele, Portugal não tem motivos para a resistência. ‘Fala-se de uma pressão das editoras, que não querem mudar seus arquivos, e de um conservadorismo lingüístico. Isso não é desculpa’, afirma.

O que muda

Entre 0,5% e 2% do vocabulário brasileiro será alterado com as mudanças

HÍFEN
Não se usará mais:
1. quando o segundo elemento começa com s ou r, devendo estas consoantes ser duplicadas, como em ‘antirreligioso’, ‘antissemita’, ‘contrarregra’, ‘infrassom’. Exceção: será mantido o hífen quando os prefixos terminam com r -ou seja, ‘hiper-‘, ‘inter-‘ e ‘super-‘- como em ‘hiper-requintado’, ‘inter-resistente’ e ‘super-revista’
2. quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com uma vogal diferente. Exemplos: ‘extraescolar’, ‘aeroespacial’, ‘autoestrada’

TREMA
Deixará de existir, a não ser em nomes próprios e seus derivados

ACENTO DIFERENCIAL
Não se usará mais para diferenciar:
1. ‘pára’ (flexão do verbo parar) de ‘para’ (preposição)
2. ‘péla’ (flexão do verbo pelar) de ‘pela’ (combinação da preposição com o artigo)
3. ‘pólo’ (substantivo) de ‘polo’ (combinação antiga e popular de ‘por’ e ‘lo’)
4. ‘pélo’ (flexão do verbo pelar), ‘pêlo’ (substantivo) e ‘pelo’ (combinação da preposição com o artigo)
5. ‘pêra’ (substantivo – fruta), ‘péra’ (substantivo arcaico – pedra) e ‘pera’ (preposição arcaica)

ALFABETO
Passará a ter 26 letras, ao incorporar as letras ‘k’, ‘w’ e ‘y’

ACENTO CIRCUNFLEXO
Não se usará mais:
1. nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos ‘crer’, ‘dar’, ‘ler’, ‘ver’ e seus derivados. A grafia correta será ‘creem’, ‘deem’, ‘leem’ e ‘veem’
2. em palavras terminados em hiato ‘oo’, como ‘enjôo’ ou ‘vôo’ -que se tornam ‘enjoo’ e ‘voo’

ACENTO AGUDO
Não se usará mais:
1. nos ditongos abertos ‘ei’ e ‘oi’ de palavras paroxítonas, como ‘assembléia’, ‘idéia’, ‘heróica’ e ‘jibóia’
2. nas palavras paroxítonas, com ‘i’ e ‘u’ tônicos, quando precedidos de ditongo. Exemplos: ‘feiúra’ e ‘baiúca’ passam a ser grafadas ‘feiura’ e ‘baiuca’
3. nas formas verbais que têm o acento tônico na raiz, com ‘u’ tônico precedido de ‘g’ ou ‘q’ e seguido de ‘e’ ou ‘i’. Com isso, algumas poucas formas de verbos, como averigúe (averiguar), apazigúe (apaziguar) e argúem (arg(ü/u)ir), passam a ser grafadas averigue, apazigue, arguem

GRAFIA
No português lusitano:
1. desaparecerão o ‘c’ e o ‘p’ de palavras em que essas letras não são pronunciadas, como ‘acção’, ‘acto’, ‘adopção’, ‘óptimo’ -que se tornam ‘ação’, ‘ato’, ‘adoção’ e ‘ótimo’
2. será eliminado o ‘h’ de palavras como ‘herva’ e ‘húmido’, que serão grafadas como no Brasil -‘erva’ e ‘úmido’

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