Congresso e Reforma Universitária

Jornal da Ciência

Ronaldo Mota*

Dando continuidade a um debate qualificado, agora centralizado no Congresso Nacional, o país tem ocasião ímpar de estabelecer novo e necessário marco regulatório da Educação Superior.

No momento, a Reforma da Educação Superior está nas mãos dos parlamentares. Após um democrático, sistematizado e profundo processo de debates, o Executivo enviou o Projeto de Lei (PL) ao Congresso Nacional. Observe-se que, inicialmente, o Executivo enviou o PL em regime de urgência, retirado, posteriormente, por solicitação expressa de um conjunto de representativas entidades da área educacional, que demandavam mais oportunidades de discussões aprofundadas durante a tramitação no Congresso.

Por diversas razões, inclusíve mudanças na Comissão de Educação da Câmara de Deputados e indefinição quanto aos relatores, há, sem dúvida, uma demora que cria justa ansiedade em toda a comunidade.

Na retomada do debate, que deverá ocorrer em breve, com certeza, o texto enviado demanda atualizações. Da mesma forma, reafirma-se sua atualidade, como, por exemplo, no seu art. 72, que define, no § 4, que, pelo menos, 70% do capital votante das entidades mantenedoras de instituição de ensino superior, quando constituídas sob a forma de sociedade com finalidades lucrativas, deva pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados.

Esse tema que na oportunidade foi, por alguns setores, pouco compreendido, hoje, quando está em curso um processo de desnacionalização do setor privado, comprova-se a atualidade da proposta, ou pelo menos, o mérito acerca da necessidade da discussão do tema.

Mais importante ainda, para que elementos previstos no PL, tais como expansão da educa- ção pública federal, bem como avanços em direção à autonomia das Universidades federais, se materializem enquanto realidade, desde já, inúmeras ações têm sido implementadas pelo Ministério da Educação.

Nestes quatro últimos anos, por exemplo, são destacáveis e reconhecidos, especialmente pelos reitores, os avanços no financiamento de custeio dessas instituições, os quais permitiram que todas usufruam de um volume de recursos significativamente superior aos dos anos anteriores. Além disso, são mais de dez mil vagas para novos docentes, representando mais do que o dobro do total liberado no governo anterior. Ainda que insuficientes, tais avanços constituem, sem sombra de dúvidas, uma verdadeira inflexão perante o quadro anterior.

A criação de dez novas Universidades federais, a implantação de mais de meia centena de novas extensões de Universidades no interior e a instalação de dezenas, em direção a centenas, de novas escolas técnicas federais retratam um ritmo de expansão sem precedentes nas décadas recentes.

A autonomia financeira proposta está em perfeita consonância com o disposto na Constituição, propiciando uma verdadeira revolução de gestão. Critérios de distribuição baseados em indicadores de eficiência constituem peças-chave na alocação de recursos. Elementos de gestão ainda são insuficientes e demandarão medidas infrafegais adicionais, bem como o estabelecimento de uma nova cultura no trato das Universidades por parte dos demais setores do serviço público federal.

O MEC, em articulação com a Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), tem procurado rever as normas legais, através de edição de decretos e portarias, que, com mais agilidade, caminhem em direção da implementação efetiva da autonomia universitária.

A Portaria Interministerial (Ministérios do Planejamento e da Educação) estabelecendo o banco de professores equivalente é grande conquista em direção à reafirmação da autonomia universitária. Antes da Portaria, a cada pleito de concurso para professor, o reitor seguia um ritual burocrático enorme, muitas vezes com grande margem de insucesso. A capacidade de reposição de vagas decorrentes de aposentadoria, falecimento ou demissão era muito baixa no que diz respeito à garantia da mesma, inviabilizando qualquer capacidade real planejamento de recursos nas Universidades federais.

A partir da entrada em vigor da nova Portaria, está constituído um banco de referência das vagas docentes, baseado em unidades de professores-equivalentes, o qual disciplinará para cada Universidade um número, expresso na unidade professor-equivalente, que traduzirá, a cada ano, o seu potencial de utilização de vagas que levará em conta tanto os docentes universitários efetivos, bem como os substitutos em exercício na Universidade e as perspectivas de expansão do quadro atual.

É fundamental observar que, observados os limites do banco de professores-equivalentes fixado nesses termos, atendidas as normas vigentes, será facultado à Universidade federal, independentemente de autorização específica, realizar concurso público e prover cargos de professor universitário, contratar professor substituto, observadas as hipóteses de contratação previstas em lei, bem como as condições e os requisitos nela previstos para contratação. Ou seja, a partir do conceito de cargo vago, a própria Universidade poderá promover autonomamente a realização do concurso e o provimento do cargo, condicionada, obviamente, à existência de cargo vago no quadro da Universidade e à observância do constante no cronograma de provimentos apresentado pela Universidade à Secretaria de Educação Superior do MEC.

Além disso, o Decreto Presidencial que institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Uníversidades Federais (Reuni) estimula que, autonomamente, as Universidades Federais discutam e adotem modelos acadêmicos inovadores e expandam com qualidade a educação superior pública.

Assim, através do Reuni e do banco de professores-equivalentes, o MEC respeita e incrementa o princípio da autonomia universitária, bem como reconhece as diferentes realidades, peculiaridades e vocações das diversas Universidades federais que compõem o sistema. Cada instituição deverá indicar as estratégias e as etapas para a realização dos objetivos referidos. Para a consecução de tais objetivos, o Ministério da Educação destinará a cada Universidade federal que autonomamente aderir ao Reuni recursos financeiros e humanos destinados a suportar as despesas decorrentes das iniciativas propostas. Especialmente no que respeita à construção e adequações de infra-estrutura e equipamentos, compras de bens e serviços necessários ao funcionamento dos novos regimes acadêmicos, despesas de custeio e pessoal associadas à expansão das atividades decorrentes do plano de reestruturação acadêmica e expansão.

O setor privado, por sua vez, também tem o que ganhar com a aprovação do PL em discussão no Congresso. Entendida a sua complexidade e diversidade, terá o setor privado uma regulação justa, baseada em critérios precisos de avaliação, políticas estáveis e o reconhecimento da legitimidade e da relevância do setor. A falta de regulação adequada e a ausência de processo avaliativo consistente permitiram que, ao lado de boas instituições do setor privado, se estabelecessem empresas educacionais onde o lucro foi tratado como muito mais importante do que a própria educação. Um marco regulatório apropriado e justo servirá para estimular as boas instituições educacionais e mi- bir aquelas cujos objetivos mercantis sejam preponderantes sobre a garantia de qualidade.

Enfim, tem o país uma oportunidade ímpar de, através da continuidade de um qualificado de- bate, agora centralizado no Congresso Nacional, estabelecer um novo e necessário marco regulatário da educação superior. E importante que esse processo seja feito em coerência com a sociedade contemporânea, que terá como alicerce a educação e como um dos centros principais de suas reflexões suas institui- ções de educação superior.

* Secretário de Educação Superior do MEC e professor titular de Física da Universidade Federal de Santa Maria

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *