Correio Braziliense, 12/11/07
Priscilla Borges
Pesquisas mostram a insatisfação dos docentes da rede pública. Mas eles não querem abandonar a carreira
Os professores da rede pública de ensino estão insatisfeitos, mas não pensam em deixar a carreira. Duas pesquisas divulgadas recentemente mostram o desconforto dos educadores brasileiros com as condições de trabalho. O estudo As emoções e os valores dos professores brasileiros, elaborado pela Fundação SM e a Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI) no primeiro semestre deste ano, mostra que 42,2% dos docentes da rede pública não estão contentes com seu trabalho. Na rede particular, o índice de satisfação é de 71,1%. A maioria dos docentes (65,9%) garante que não deixaria a carreira e 53% dizem que permanecem na profissão porque gostam de ensinar.
Em outra pesquisa, feita pelo Ibope, só 21% dos que atuam na rede pública se dizem totalmente satisfeitos com a profissão. Ao todo, foram entrevistados 500 educadores de rede pública. A instabilidade financeira é a maior causa de descontentamento com a carreira. Os educadores reclamam também da falta de motivação dos estudantes. Segundo 70% dos entrevistados, esse é o principal problema que eles enfrentam em sala de aula. Quase a metade dos professores (49%) admite que a formação obtida na faculdade não foi suficiente para atuar em sala de aula.
De acordo com a pesquisa da Fundação SM, coordenada por Tereza Perez, a grande reclamação dos docentes, de colégios públicos e particulares, é mesmo a falta de reconhecimento (veja quadro). Esse é o aspecto que mais contribui para a insatisfação com o trabalho, na opinião de 51,4% dos professores. A sensação de desvalorização é a mesma entre professores das redes pública ou particular. Ao todo, foram ouvidos 3.584 docentes. “Somos muito cobrados e pouco reconhecidos”, lamenta Glacione Maria de Lima, 38. Ela e os colegas de escola pública, Sebastião Brabo, 49, e Orlando Leite, 50, são apaixonados pela sala de aula, mas têm muitas críticas ao sistema escolar.
Orlando acredita que as escolas deveriam trocar mais experiências e ser mais integradas. “O sistema não permite a articulação entre as escolas e vivemos em ilhas. A nossa maior dificuldade é nos sentirmos sós”, analisa. Sebastião defende mais investimentos em capacitação. Para ele, os governantes dão pouco apoio às tentativas dos educadores de se atualizarem. “Não podemos acompanhar as mudanças da sociedade sem preparo”, protesta.
Desrespeito
Assim como na pesquisa do Ibope, os professores entrevistados pela Fundação SM reclamam do comportamento dos alunos em sala de aula. Segundo os entrevistados, eles não estão empenhados em estudar e desrespeitam o professor. Na opinião de 39,4% dos educadores, os estudantes se esforçam pouco em sala de aula. Outros 32,5% lamentam a falta de responsabilidade dos jovens com os estudos. De acordo com a pesquisadora, outro dado impressionante é a pouca importância que os estudantes demonstram ter pelos conhecimentos dos professores. Apenas 13% dos entrevistados afirmam que seus alunos os valorizam por isso.
“Eles não se sentem desafiados a aprender e a indisciplina aumenta”, diz Glacione. Para o professor de português da rede privada Giovanni Toscano Neto, o maior desafio é estimular os estudantes a prestarem atenção ao conhecimento transmitido pelo professor. “Eles têm tudo ao alcance das mãos e, muitas vezes, não enxergam a importância do estudo”, pondera.
A pesquisa mostra ainda que, para 54,2% dos professores, a educação piorou. Porém, outros 41,1% acreditam que melhorou. Para Tereza, quem defende a melhora entende que a universalização da educação foi positiva e quem crê que houve queda analisa as dificuldades geradas por conta disso. De acordo com Tereza, o mérito da pesquisa é dar voz aos professores e fornecer subsídios para futuras políticas públicas. “Em vez de atribuir prerrogativas aos docentes, queríamos ouvir deles o que sentem”, propõe. “Eles escutam que não são bons o tempo inteiro. Não há profissão que resista a isso”, comenta.
O que pensam os mestres
54,2%
acreditam que a educação piorou nos últimos anos
71,1%
dos que atuam em escolas particulares se consideram satisfeitos com seu trabalho
42,4%
dos que estão na rede pública têm a mesma satisfação
65,9%
dos educadores garantem que não largariam a profissão, mesmo que pudessem
79,5%
acreditam que a sociedade não valoriza o professor
11%
dos professores, apenas, se sentem apoiados por quem se responsabiliza pela educação
51%
não se sentem valorizados pelos pais dos alunos
64,6%
admitem que seu principal defeito como professor é não compreender os alunos mais difíceis
Fonte: As emoções e os valores dos professores brasileiros, elaborado pela Fundação SM e pela Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI)