Repensar a Universidade é preciso

Os mercados cada vez mais globalizados e competitivos estão exigindo profissionais dotados de um senso crítico/criativo em relação aos problemas do setor onde desenvolverão suas atividades, considerando-o como um todo, seja nos aspectos técnicos, humanos, sociais ou políticos. O profissional deve estar suficientemente preparado e capacitado para discernir o grau de importância do desenvolvimento do setor onde trabalha, tanto na economia nacional como internacional, bem como nos seus inter-relacionamentos com outros setores da economia.

Formar um profissional com esse perfil requer professores qualificados, currículos coerentes e atualizados e estruturas adequadas. Analisando algumas universidades brasileiras, observa-se que em muitas há carência de alguns desses requisitos. Em algumas faltam professores qualificados, em outras os currículos estão ultrapassados e em outras tantas as estruturas organizacionais são antigas e pouco produtivas.

Aliada à carência de alguns requisitos, encontra-se a adoção de estratégias inadequadas ou, mesmo, a falta delas para solução dos problemas. Muitas universidades públicas não dispõem de estratégias de curto, médio e longo prazo, em termos de ensino, pesquisa, extensão, financiamento e gestão. Com isso, observa-se desperdício de tempo e de recursos físicos, humanos e financeiros, formando profissionais desalinhados em relação ao mercado de trabalho, desenvolvendo pesquisas incoerentes com a realidade e com o futuro e não interagindo com a sociedade na busca de soluções para seus problemas.

Em muitas universidades, os sistemas educacionais construídos para a formação intelectuais se tornaram insatisfatórios para um ambiente cuja característica marcante é a mudança. Apesar dos esforços para sanar este problema, muitas universidades continuam a formar indivíduos pouco adaptáveis às mudanças constantes, resultando na rejeição de seus produtos pela sociedade. A nova educação deve ser baseada em um currículo flexível, organizado em torno de mudanças de interesses e necessidades dos estudantes, oferecendo oportunidades de entrada e saída em diferentes momentos com menos ênfase em certificados como pré-requisitos para participação nas atividades. O aluno deve ter alternativas para escolher, em termos de nível de formação. Ao entrar na universidade, ele deve ter a opção de escolher se quer sair com o nível técnico, graduado ou pós-graduado. Nesse sentido, é bom salientar que, no mercado brasileiro de trabalho, existe uma carência muito grande de profissionais de nível técnico.

Com relação à freqüência, hoje em dia, grande parte da educação acontece fora do horário escolar, em local e hora da própria escolha do indivíduo. O que precisamos é de um processo educacional continuado e permanente, uma vez que a educação formal não é suficiente para que o indivíduo possa viver o resto de sua vida.

Além disso, o processo educacional deve ser capaz de desenvolver indivíduos com capacidade de continuar sua própria educação. O currículo deve promover oportunidade para que ele aprenda, principalmente, a ler, ouvir, observar, expressar-se e adquirir técnicas de obter informações. Nesta nova visão do processo educativo, é necessário redefinir o papel do aluno, do professor e das universidades, rever as formas de avaliação, bem como refletir sobre o papel do educador e da educação. No tocante ao papel do aluno, este deve caracterizar-se por assumir a própria educação, ou seja, como autodidata. O autodidatismo orientado deve ser privilegiado na medida que experiências têm demonstrado que as pessoas, em sua maioria, admitem que foi o convívio com os outros, na troca de experiências, no debates de idéias, por meio de experiências vividas que aprenderam a maior parte das coisas úteis de que precisam. O essencial é ensinar a aprender, fornecendo aos indivíduos instrumento para mudar de tipo de atividade, de trabalho, várias vezes, durante a vida.

Quanto ao papel do professor, a sua função será, cada vez mais, a de “preparar situações de aprendizagem, organizar a recepção das informações televisionadas ou radiofundidas, orientar grupos de trabalho a cargo de monitores não especializados”. O papel do professor passa de instrutor para o de diagnosticador, cooperador, estrategista, guia, amigo e colega de aprendizado.

Em se tratando do papel da universidade, esta deve ter três funções: transmissão da cultura, ensino das profissões e a pesquisa científica. Estas funções devem ser realizadas com sobriedade e austeridade, ensinando somente o que os alunos podem aprender e não o que os professores desejam. A universidade não pode ser um sindicato nem um partido político, mas deve ser uma instituição universitária com o papel de agente de reforma social e acelerador do processo evolutivo da civilização contemporânea. A universidade é uma organização composta de pessoas, tecnologias, conhecimentos e práticas; posicionada na sociedade no sentido de olhar para esta, visando entender seus problemas, desenvolver tecnologias coerentes aos seus problemas, conhecimento e práticas, bem como capacitar pessoas para utilizá-los na solução dos problemas. Infelizmente, muitas universidades no Brasil, no meu entender, tomaram outra conotação. Elas construíram, em volta de si, um muro que a sociedade tenta escalar para saber o que se está acontecendo dentro dela. Somada a esse fato predomina, dentro de muitas universidades, a “filosofia do bicho da seda”, segundo o qual professores se encasulam em torno de sua área, disciplina ou linha de pesquisa, esquecendo da integração. Quando esses professores se aposentam, não há continuidade dos estudos e pesquisas ou, mesmo, o aproveitamento dos conhecimentos gerados, morrendo, assim, uma célula da universidade.

O advento dos novos tipos de estruturas e estratégias educacionais implica em uma revisão profunda nos métodos de avaliação de resultados e, principalmente, de gestão das universidades. Se for adotada a autodidaxia como estratégia, a avaliação tenderá ser mais para abordagens subjetivas, sendo os testes objetivos usados para diagnosticar falhas e deficiências. Deve ser dada ênfase especial a autoavaliação.

Com relação à gestão, há necessidade de revisão das estruturas organizacionais, com a adoção de formas mais alinhadas ao ambiente de negócio. Nesse sentido, é necessária à utilização de organogramas mais flexíveis e que permitam uma maior interação entre os setores envolvidos, além de possibilitar a profissionalização destes. Hoje em dia, já existem estruturas mais adequadas ao ambiente de educação universitária, como a matricial, as unidades de negócio e a governança coorporativa.
Em síntese, precisamos reestruturar o sistema educacional, ligando a educação à vida, associa-la a objetivos concretos, estabelecer uma correlação estreita com a sociedade e a economia, e, finalmente, criar e redescobrir uma educação em estreita simbiose com o ambiente. A situação atual não pode continuar, em face da importância das universidades no contexto de uma sociedade. Por isso, é preciso repensar suas estruturas e estratégias. Do contrário, corre-se o risco de cair no descrédito da sociedade ou, mesmo, o de não conseguir parceiros para apoiar suas atividades.

Antônio Carlos dos Santos
Engenheiro Agrônomo, mestre e doutor em administração rural e chefe do Departamento de Economia e Administração da Universidade Federal de Lavras
E-mail: acsantos@ufla.br

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *